Fonte: jornal O Estado do Paraná
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Faça o que eu digo, não o que faço
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- Décio Luiz Gazzoni -
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O autor denuncia a verdade por trás da liberalização comercial, "o consenso de Washinton", e os
trágicos resultados para os países mais pobres.

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    Liberalização comercial. Fim das barreiras comerciais, dos subsídios, barreiras técnicas, parceiros mais privilegiados. Nada de sobretaxas ou de cotas de importação. Medidas fitossanitárias só para proteger a saúde do consumidor e do ambiente produtivo.
    Desenvolvimento justo e igualitário, maior justiça social, melhor distribuição de renda, redução da pobreza,
incremento do comércio bilateral, com acesso recíproco ao mercado. Ou seja, o melhor dos mundos. A democracia chegando ao sistema comercial. Regras justas, oportunidades iguais para todos. Em teoria, tudo perfeito. Por que não aderir ao consenso de Washington? Ah, sim o que é mesmo o consenso de Washington?
    Liberalismo para todos – o consenso de Washington trata da retirada de todas as travas ao comércio entre os países, tornando-o transparente e justo, regido pela capacidade competitiva dos países. Com uma exceção: os países pobres deveriam ser protegidos dos ricos, melhor preparados para vencer a batalha comercial.

    Foi com essa perspectiva que o Brasil e dezenas de outros países emergentes aderiram ao tal consenso. E foram com muita sede ao pote, atendendo integralmente os requisitos exigidos: eliminaram barreiras à importação,
desobstruíram canais de comercialização, tudo de forma unilateral. O que obtiveram em troca?
    Dois pesos e duas medidas – obtiveram pesados déficits comerciais! A inundação de seu mercado interno por produtos made in Primeiro Mundo. O padrão de comércio internacional do final de século é oposto ao receituário
acima, seguido apenas pelos países pobres.
    A origem do atual processo passou pelo conceito de co-desenvolvimento, uma das propostas caras de François Miterrand. O conceito nunca encontrou eco entre os países ricos, permitindo que norte e sul, ricos e pobres pudessem encontrar um novo patamar de relacionamento comercial, mais justo e mais equânime.
    O que se observa é um aproveitamento, um sugamento, uma exploração dos mercados dos países emergentes, crédulos na liberalização do mercado, que continuam enfrentando restrições diversas para colocar seus produtos nos mercados mais ricos.

    A inversão dos fluxos comerciais – tomemos o Mercosul, constituído para melhorar a competitividade coletiva, onde as importações provenientes dos EUA cresceram 70%, sem aumento correspondente de exportações.
Em relação à União Européia, ao longo desta década, observou-se um incremento de 24% nas exportações do Mercosul (menos de 3% ao ano). No contra fluxo, a União Européia aumentou em nada menos do que 350% suas
exportações para o Mercosul. Um crescimento de 24% ao ano! Na constituição do bloco, ninguém imaginaria uma inversão de fluxo. Isso significou, em 1997, um déficit do Mercosul com a EU de US$ 6 milhões, enquanto antes da
liberalização comercial, o superávit era de US$ 12 milhões.
    A fórmula mágica é um segredo de polichinelo: reduza as suas tarifas aduaneiras (as minhas não); elimine suas travas burocráticas (eu as mantenho); nada de sobretaxas sobre as minhas exportações (eu aplico nas suas); cotas de exportação, uma heresia (não na minha religião); medidas sanitárias apenas para proteger o consumidor (o meu consumidor será mais protegido); subsídios à produção a à comercialização nem morto (eu que sou vivo, manterei os meus).

    Quero crer que caímos em um legítimo conto do vigário. Passado quatro anos da criação da Organização Mundial do Comércio, os prazos estabelecidos para a liberalização do comércio foram integralmente obedecidos pelos mais
fracos, pelos países pobres. A contrapartida dos países ricos sequer pintou no horizonte, que continuam a impor barreiras comerciais aos nossos produtos e continuam a subsidiar a sua produção.
    Erramos ao agir unilateralmente, e agora o caminho de volta é árduo, porque, para nós, seguramente valerão as regras comerciais que impedem o aumento das alíquotas, o estabelecimento de cotas, a introdução de sobretaxas, a criação de subsídios.
   É hora de abrir os olhos, denunciar a farsa que se desenha, organizar os países que se sentem espoliados e começar a negociar uma nova ordem para o comercio internacional. Ah, sim, da próxima vez deixe o outro cumprir a lei primeiro!


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