Crônica publicada em alguns jornais de grande circulação.
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Sobre o protecionismo
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- Carlos Chagas -
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    Muito antes de Ramsés II do Egito, que todo governante tem como objetivo proteger os interesses da sua nação, Alexandre, o Grande, mandava periodicamente, da Ásia que conquistou para a Grécia de onde saiu, imensas caravanas com a pilhagem que seus exércitos faziam pelo então mundo conhecido. César, Augusto e os demais imperadores romanos tiravam o que podiam de onde chegavam suas legiões. Carlos Magno não deixou de fazer o mesmo e, para encurtar essa desagradável rememoração histórica, chegamos aos chamados países ricos ou desenvolvidos da atualidade. Protecionismo é a palavra de ordem de todos. Querem o bem-estar de seus povos e providenciam para que, mesmo à custa dos outros, possam auferir o que de melhor o planeta ofereça.
    Não há que protestar ou ranger os dentes de desespero, a vida é assim mesmo. Qual o pai que não deseja o melhor para seus filhos?
    O mundo evoluiu, os ricos quase não utilizam mais as armas para impor sua vontade aos demais, ainda que aqui e ali promovam incursões bélicas e mantenham sempre a postos um formidável arsenal de destruição, como força dissuasória. Preferem, como regra, utilizar o convencimento, também a malandragem, e - não raro - a corrupção. Pregam e impõem o "façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço". O diabo nessa história inevitável é quando os prejudicados, ao invés de resistir, entregam-se aos protecionistas mais ou menos como o sapo caminha para a boca da cobra. Não da para entender um governante, seja faraó, imperador, rei, primeiro-ministro ou presidente da República fazendo o caminho inverso do que deveria percorrer. Deixando de resistir, mas, ao contrário, entregando-se. E a sua nação.
    Com todo o respeito e com perdão da imagem, o Brasil transformou-se num bordel daqueles que a gente conhecia na juventude, muito bem organizado e sempre com uma senhora idosa batendo palmas e exortando os clientes com o tradicional "vamos escolher, cavalheiros, vamos escolher".
    Abrimos nossa economia mais do que as moças alegres do passado faziam com suas pernas. Permitimos o ingresso ao capital especulativo e nem cogitamos de limitá-lo, mesmo nos tempos do pacote do ajuste fiscal. Ao contrário, ao primeiro sinal de crise, aumentamos os juros
para 50%, como nas épocas de pouca freqüência faziam os bordéis, baixando o preço do prazer efêmero e fugaz. Com a agravante de que, como as moças, não sentimos prazer algum.
    Convenceram-nos a extinguir incentivos e subsídios aos nossos produtos de exportação, derrubando ao mesmo tempo quaisquer barreiras antes existentes à importação dos produtos deles. Aceitamos o protecionismo que nos empurram goela abaixo e consideramos coisa do passado, de retrógrados e saudosistas, a simples referência à proteção de nossos interesses. Entregamos tudo, ou quase tudo, porque ainda faltam a Petrobrás, o Banco do Brasil e os Correios e Telégrafos. A Previdência Social, não demora, também estará privatizada. Abrimos mão de pesquisar tecnologia própria, como desativamos boa parte de nossa indústria. Em nome das chamadas leis do mercado, que leis não são, mas ucasses, e mercado não é, mas antro de privilegiados, sufocamos a agricultura e marchamos céleres para matar a saúde e a educação pública. A procissão não teria fim, e a pergunta que se faz é simples: em nome de que ficamos, sem ao menos reagir, cada vez mais pobres e ricos cada vez mais ricos?
    Tem gente influente pensando nisso - e muito - mesmo sem radicalizar e concluir que nossos governantes agem assim por maldade, apesar de disporem de um saco (de maldades) de razoáveis proporções. Talvez imaginem estar certos, e o país inteiro errado. O problema é que por essa via não transitarão por muito mais tempo.
    Entenda quem quiser entender, mas valores como soberania, segurança, independência e orgulho nacional pertencem ao povo inteiro, mas são peculiares a certas categorias que, mesmo caladas, incomodam-se. Junte-se a esse sentimento a pobreza crescente, a fome, a miséria, a doença e o desemprego multiplicado e se terá a receita de algo que começa a germinar no fundo da nacionalidade ainda não de todo perdida. Algo que poderá explodir. Porque, só para concluir, o Egito Antigo perdeu o esplendor e tornou-se presa fácil dos inimigos. Alexandre não conseguiu voltar da Ásia, os romanos se viram invadidos pelos bárbaros, Carlos Magno teve seu império dividido e os... (Cala-te, boca, senão eles acabam se protegendo contra a gente, também).
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